Capítulo XI - As Crônicas de Isabel: Viagem Ao Príncipe Da Alvorada




Ao contrário de quando Pandora chegou aos aposentos do Príncipe da Alvorada, o salão estava vazio. Nem gárgulas, nem mesmo o Príncipe.
– Onde ele está? – me perguntei me aproximando do trono que agora eu vi que era formado por ossos humanos.
– Criando um exército. – respondeu Jean. Ela olhava por uma das janelas onde, em uma paisagem desolada e angustiante se via o Príncipe e Mazda diante de um deserto vermelho e escaldante onde criaturas espectrais eram criadas ao comando do deusinho.
– Parece que o Príncipe achou uma utilidade para o Arquitetozinho. Bem, deixemos ele por último. Temos que encontrar Pé e Helena.
– Será melhor se nos dividirmos. Eu busco a arcana e você sua amiga.
– É um bom plano. – disse criando um ser das sombras como bem fazia. – Mas leve companhia. Você pode precisar. Nos encontramos aqui.
– Ok.
Fomos até a porta que, depois de fechada, abria para um corredor do castelo onde nos separamos.

Em uma das escadarias que dava ao calabouço, provável lugar onde Pé estaria, criei um exame de insetos negros que fariam a varredura do castelo para mim. Não demorou muito até eu confirmar que estava indo na direção certa.
O calabouço parecia um labirinto de jaulas onde se via os principais inimigos do Príncipe, o que incluía alguns anjos. Muitos, na verdade. No entanto, só uma jaula tinha dois balrogs cujas chamas eram negras na frente. Adorando ter o anel das sombras de volta, ordenei que deixassem eu passar. Na sala uma anja nua de asas negras estuprava Pé com uma calda fálica. A prima de Papel estava presa nos pés e nas mãos respectivamente no chão e no teto. Ela agonizava de dor.
Desembainhei a espada de Bolo e coloquei a lâmina nas costas dela fazendo-a parar de se regozijar com aquilo.
– Solte-a. Agora. – sussurrei em seu ouvido, mas em vez de dor, a anja pareceu gostar daquilo.
A anja caída tirou as correntes de Pé que caiu sem forças. Ela parecia tá sofrendo aquilo por horas a fio.
– Prendam-na. – ordenei aos balrogs.
– Diria que era muita ousadia sua invadir o calabouço do Grande Príncipe da Alvorada, mas pelo visto você não é tão tolo assim. – disse enquanto eu vestia Pé.
– E nem tão puro. Divirtam-se. – disse arqueando as sobrancelhas para os dois balrogs que começaram a estuprar a anja ao mesmo tempo. Dessa vez os gritos dela não foram de prazer. – Você está bem? – perguntei levando a garota abatida para fora daquele lugar.
– Por favor, me tire daqui. – disse fazendo eco aos outros presos que colocavam suas mãos para fora como náufragos procurando por uma boia.
– Por que acha que estou aqui?


A viagem até a montanha foi longa e cansativa, principalmente por ser feita no lombo do Jegue e na companhia de mortos que não sabíamos se eram confiáveis. Mas minha surpresa não foi uma flechada inesperada ou um ataque arquitetado com o próprio Jegue, mas uma morta-viva bem conhecida.




– Papel.
– Maçã? O… o que faz aqui?
– Bem, eu fui morta e como todos os mortos foram ressuscitados, eu estou aqui.
– Não te vi na batalha.
– Eu sei. Mas eu te vi. Vocês dois. – disse apontando também para minha prima.
– Venha, suba. – pedi mas tanto o Jegue, quanto minha prima me metralharam com o olhar.
– Melhor não. De nada adianta o conforto agora diante do que vou enfrentar novamente. Já estou acostumada.
– Então você estava no Inferno?
– Sim. Mas já esperava por isso. Uma prostituta que usava um anel das trevas. Não esperava mesmo portões dourados.
– Braço iria gostar de te ver.
– E eu a ele. Diga-o que não foi culpa dele. Ele fez o melhor que pôde.
– Braço enterrou sua culpa, literalmente, quando procurou se vingar dos Templários em seu nome.
– Ele conseguiu?
– Sim. Você não...?
– Não. Nesse mundo o prazer te leva a tortura e o assassínio santo te leva à nuvens confortáveis. Não estou surpresa que os Templários tenha ido para o céu. Estou surpresa por eu ter voltado.
– Chegamos. – disse o Jegue diante de uma imensa montanha sem cume que se perdia entre as nuvens.
– Maçã, não vá. – pedi descendo do quadrúpede.
– Você sabe que não tenho escolha.
– Falarei com Constelion.
– Papel, não há tempo. – me advertiu Nessa.
– Jegue. Você vai voltar. Pode falar com ele.
– Nunca chegaria a tempo. Lamento.
– E aquela águia em que a Princesa usou?
– Segue apenas as ordens dela.
– Mas... – então Maçã com seus dedos gélidos calou meus lábios.
– Tudo bem. Tudo bem. Eu estou preparada. Só diga a Braço que ele foi o primeiro e único homem que amei de verdade. – disse antes de seguir os outros mortos-vivos que escalavam a montanha até uma caverna lá no alto.
– Eu fico aqui. – disse o Jegue. – Vocês sabem o que fazer. Estarei aqui pro caso de conseguirem escalar de volta. Mas ficarei apenas por 24 horas. Se não retornarem nesse tempo, acreditarei que vocês não conseguiram.
Eu malmente ouvi o que ele disse, até porque, não me surpreenderia se ele fosse embora 24 segundos depois que entrássemos no Inferno. Eu tinha que fazer alguma coisa.
E fiz. Disparei um raio congelante contra Maçã que petrificou no meio do caminho.
– Papel, o que está fazendo.
– Não posso deixar que Maçã volte para o Inferno. – disse indo até ela carregando-a. – Não preciso que nos espere. Leve Maçã de volta para o castelo e informe o ocorrido a Constelion.
– Se ela não estiver sob o controle...
     – Ela está! – bradei. – Faça o que lhe falei caso contrário Isabel terá um governante a menos.
    O Jegue pareceu engolir em seco e obedeceu minha ordem. Feito um foguete o animal voltou correndo para o castelo levando Maçã em seu lombo.
– Muito nobre de sua parte. – disse minha prima sorrindo pra mim.
Devolvi o sorriso e disse:
– Espero que com Lari seja assim tão fácil também.
Subimos a grande montanha até a caverna. Ao contrário da caverna onde nos abrigamos dos mortos sob o comando de Testa, aquela era seca e quente e um vapor fétido de ovo podre saía de suas entranhas.
Fomos seguindo os mortos até que abruptamente chegamos a um imenso fosso. O abismo era imenso. Olhando pra cima se via uma fraca luz azulada e pra baixo, uma cor mais escarlate.
– Preparada? – perguntei a minha prima.
– Faz diferença?
Demos as mãos e pulamos junto com os mortos. A queda parecia maior do que eu imaginava. Perto do chão, me dei conta de que os mortos, de fato estavam mortos e a queda, obviamente não os afetaria e que os anjos que antes faziam esse percurso tinham asas.
– Droga. – faltando poucos metros do chão criei uma pequena montanha de neve que nos amorteceu antes de derreter no chão quente do inferno. Por sorte, meu truque se desfez antes dos primeiros demônios nos avistarem:
– Olha só quem retornou? – disse um demônio brandindo um chicote. – Vocês vão aprender a nunca mais escapar do Scroooge. – ameaçou chicoteando alguns próximos.
– Abaixe a cabeça e se finja de zumbi. – falou minha prima fazendo exatamente o que falou.
– Não sei se vamos nos disfarçar o suficientemente.
– Pálido do jeito que você é nem precisa disfarçar. – olha quem fala.
Fiz o que ela pediu e seguimos entre os mortos protegidos dos chicotes de Scroooge e outros demônios que também zombavam dos mortos. Certamente eles ficaram frustrados ao ver os mortos indiferentes aos seus chicotes quando foram trazidos de volta por Pé.
Passamos pelo que parecia uma galeria até o céu aberto. Um céu negro e sem estrelas. A única claridade era do buraco que caímos.


 


– Vamos nos divertir um pouco desses porcos enquanto Azazel não chega. – riu um demônio parecido com Scroooge.
– Eu já estou aqui. – gritou um anjo de asas depenadas. Eu teria ficado aliviado se ele não chegasse em uma serpe negra babando ácido. – E podem deixar que eles serão levados para uma punição bem elaborada por mim mesmo no Nono Círculo. Quero ver alguma puta tirar algum morto do inferno agora.
Sob os gritos de viva, segurei num átimo o braço de minha prima para que ela não voasse em direção a Azazel.
– Mas senhor? – perguntou Scroooge, ou assim parecia, eram todos iguais: atarracados, marrons e fortes feito pedra com chifres no queixo. – Como colocará todos os mortos do inferno em apenas um círculo?
– Você por acaso vê todos os mortos aqui? – se fez silêncio enquanto eles observavam os mortos.
– E quando todos os mor... – de repente a cabeça da Serpe se esticou e abocanhou o demônio perguntador.
– Mais alguma dúvida? – perguntou calmo enquanto seu transporte mastigava o carrasco.
Ouviram-se nãos afobados de demônios que recuavam daquela bocarra assustadora.
    – Sabrina. – disse alisando o longo pescoço do animal que abriu a boca novamente, mas dessa vez muito maior que da primeira vez. De repente os mortos começaram a ser sugados pela serpe fazendo sua barriga inchar desproporcionalmente. – Agora quero ver alguém escapar. – disse Azazel satisfeito com o que via.
    – Papel, o que vamos fazer?
– Teremos que ser tragados.
– Seremos mortos.
– Nos protegerei com um globo de gelo. – ela não parecia satisfeita. – É o único jeito de chegarmos perto do castelo do Príncipe sem precisar cruzar os nove círculos. – Sua expressão de desgosto não mudara nada. – Confie em mim! – segurei sua mão e deixei que a ventania que era sugada pela serpe nos levasse para dentro do seu estômago.
Desviamos por pouco dos dentes afiados descendo por sua longa garganta. Quando estávamos perto de seu estômago ácido criei uma espessa bola de gelo que nos envolveu nos protegendo.
– Eu vou matar Testa! – gritou minha prima quando a bola aterrissou no líquido que fervilhou a parte mais externa do globo.
– Ela já está morta.
– Vou trazê-la a vida de verdade pra matá-la de novo.
– Pense que foi nesse ambiente que ela esteve por anos. Nada mais compreensível do que ela fazer de tudo para poder sair daqui.
– Isso inclui mandar minha irmã pro Inferno?!
– Não, mas nos alertar como ela fez pedindo para que ceifássemos a vida dela poupando a de Lari. Ela queria se sacrificar para poder ser salva e salvar Larissa.
– O que deu errado, então?
– Braço jamais conseguiria tirar a vida dela. E honestamente eu também não.
– Eu tiraria com prazer.
– Esqueci de dizer que Lari também quis ler a carta. Talvez Braço tenha razão: devíamos parar de procurar culpados e nos concentrar em achar Pé. Só isso que importa agora.
Com o movimento do globo no estômago da Serpe, percebemos que alçamos voou em direção ao Nono Círculo.







Subi até os aposentos do Príncipe da Alvorada onde, dessa vez ele estava acompanhado por Mazda.
   – Vou mandar colocar essa porta em frente a um lago escaldante. – disse o Príncipe. De perto ele era completamente diferente do que seu título indicava. Ele tinhas asas feitas de escuridão e seu corpo musculoso parecia desprovido de qualquer luz como um abismo.
  – Feche a porta, depois abra e saia fechando-a novamente. – disse para Pé confiante de que um ser feito de trevas seria como um saco de pancadas, caso virasse meu oponente direto.
  Quando Pé fez o que lhe recomendei, me dirigir a ele formalmente.
  – Não quero problemas. Meu assunto é apenas com este homem. Deixe-nos resolver nossas pendências e então irei embora.
  – Você diz que não quer problemas, mas acabou de libertar uma prisioneira minha e nem me atrevo a saber o que fez com minha Generala.
  – Pé-De-Pato não é mais portadora do anel. Seu único desejo com ela era de tortura, portanto nada mais do que justo eu soltá-la.
  – Não há justiça nesse mundo, garoto.
  – Não se preocupe, no meu mundo também não.
  – O que quer comigo, Danilo? 
– O que sempre quis desde que você tomou conta do meu corpo.
– Nosso corpo. – o quê?
– O Inferno não lhe fez bem, Mazda. Acabarei com seu declínio agora mesmo. – desembainhei a espada.
– O que faz você pensar que pode vir no meu reino, libertar minha prisioneira e lutar contra meu deus.

– Estou aqui, ela já está em casa e Mazda está de frente pra mim. – respondi com simplicidade.

– Gosto de sua intrepidez. Se matá-lo, Mazda, estará livre.

Um brilho se acendeu nos olhos de Mazda. Aquilo deveria me deixar aterrorizado, mas por algum motivo, era tudo que queria ver em seus olhos derrotados pela traição de sua namorada.

Ele sacou seu sabre de luz e correu até mim.
  Flamejei a espada de Bolo e fui até ele. Nada poderia nos deter. Nem ninguém. Levaríamos aquela batalha até o fim.


  O balanço no interior da Serpe parou e eu entendi que havíamos chegado. Inesperadamente fomos arremessados pra frente. À medida que descíamos pela garganta do monstro, o globo de gelo ia se desfazendo até cairmos numa poça de água fétida no chão rachado da prisão construída por Azazel. O Lugar era um círculo imenso cercado por um muro liso maior ainda e entre ambos um fosso preenchido de magma de uns vinte metros de distância.
– Bom descanso. – disse quando a serpe pendurada na borda da parede terminava de cuspir os últimos mortos.
– Não podemos deixar ele escapar. – pensando juntos, minha prima se afastou enquanto eu me aproximei da ponta.
  Ela veio em alta velocidade até mim e, com um impulso com as mãos, a joguei em direção a Azazel que não esperava receber o soco em alta velocidade que o fez cair da serpe, bater no muro e, por pouco não cair na lava. Ele se pendurou na borda da prisão, mas com meu poder, ele caiu lá em baixo.
   Seu animal veio me abocanhar, mas como escudo criei um bloco de gelo que foi pego numa bocada só inutilizando o principal ataque do bicho. Criei uma coluna de gelo que foi me elevando até o topo do muro quando ela foi partida ao meio me jogando contra o paredão. Não havia onde me segurar, então fiz estacas de gelo saírem da estrutura me segurando. Ao olhar para o que dividiu minha coluna de gelo, vi Azazel voando mesmo com asas sem penas segurando uma espada de fogo negro.
 
– Onde acha que está? – gritou pra mim ameaçador. – Em Troia? – ele veio na minha direção.
Rápido, criei novas estacas que me serviriam de escada, contudo elas era bem maiores e também atingiam Azazel que tentava desviar de algumas e se defendia com a espada de outras. Quando ele já estava perto de mim, minha prima me defendeu com golpes de caratê a distância. A proteção dela se mostrou eficiente. Eu já estava quase no topo quando a serpe quebrou o cubo cuspindo os pedaços e veio com a boca imensa em minha direção.
Congelei a parte que ela estava pousada que não aguentou e cedeu fazendo a besta cair lá embaixo.
– Venha. – disse minha prima me ajudando a terminar de subir
– Vá para o castelo. Eu o distraio.
– Mas...
– Vá e ache Pé. – meu pedido agora era incontestável. Minha prima correu velozmente em direção ao castelo no mesmo momento em que Azazel pousou na borda com sua espada flamejante.
     – Muita audácia sua vir até aqui. E muita ingenuidade achar que conseguirão sair daqui vivos.
Em resposta criei uma espada com o gelo mais frio que consegui pensar.
– Isso é o que veremos.
Corremos simultaneamente ao encontro de uma batalha mortal. Azazel era um anjo, o que por si só já o deixava na minha frente em experiência e técnica de luta. Pelo meu vago conhecimento de hierarquia angelical, sua armadura negra e seu nome com terminação “el” indicava que ele fora um arcanjo outrora. A forma como ele quebrou minha espada de gelo também não deixava dúvidas de que ele era superior em combate. Seu chute que me levou ao chão também provou sua superioridade física.
– Pois eu vejo... um inseto que achava que poderia vencer um deus.
– Arrogância é inerente a sua raça? – perguntei tentando encontrar uma forma de vencê-lo ou, no mínimo me proteger.
A resposta do anjo caído foi sua lâmina descendo veloz e ardente contra meu rosto. Minha contra resposta foi ao mesmo tempo uma ficha que caía que eu tinha o anel de mago das águas de Braço que havia sido congelado aumentando consideravelmente meu poder, mesmo perdendo minha espada vergonhosamente como perdi. Num reflexo quase cego, segurei a espada de Azazel congelando-a automaticamente suas chamas. Estupefato, o anjo caído viu eu partir a espada ao meio e com o pedaço em minhas mãos cortei sua garganta e chutei sua cara tirando-o de cima de mim.
Mas pra meu azar, a serpe havia conseguido sair do buraco e vinha novamente com a boca aberta pra cima de mim.
– Não aprende, não é? – criei outro cubo de gelo, dessa vez embaixo de mim me elevando. Quando a serpe se chocou contra o pedregulho pulei pra cima dela criando correntes de gelo que usei como rédeas.
O animal era praticamente indomesticável, mas confiando no meu poder aliado ao poder do anel, coloquei a mão em seu dorso liberando cristais de gelo que entraram em seus poros e caíram em seu sangue, ou seja lá o que corra nas veias desse animal, até chegar em seu coração. Quando isso aconteceu, enfim a serpe estava sob meu domínio.
Peguei a outra metade da espada de Azazel, alcei voo e fui até o castelo do Príncipe. Em uma das janelas do prédio principal, vi Braço lutando contra ele mesmo, então entendi, apesar de não compreender como, que o outro só poderia ser Mazda. Nessa mesma hora Nessa e Jean chegaram ao salão para verem a cena. Pousei a serpe em uma torre próxima e correndo pelo pescoço dele pulei para o salão.
– Nenhum de sinal de Pé. – disse Nessa quando me viu. – Como...? – perguntou quando viu a serpe ali perto com correntes de gelo em seu dorso.
– Longa história. – respondi.
– Também nenhum sinal de Helena.
– Quem é Helena?
– Isso não é hora para papo. – disse Braço quando disputava força com as espadas em um “x” com Mazda. – Abram a porta e saiam. Pé já está em segurança.
Jean se adiantou e abriu revelando o interior de uma casa humana.
– Aquilo é na Terra? – perguntei.
– Sim.
– Vamos! – ordenou a capitã antes que o Príncipe da Alvorada se levantasse, mas ele não precisou. Com um aceno de dedo, a porta se fechou. No mesmo tempo demônios abriam a porta, mas com uma ombrada de Jean ela voltou a se fechar, mas não conseguiu mais abrir.
– Tenho uma contraproposta. – disse Braço para o Príncipe.
– Estou ouvindo.
– Se Mazda me matar, ele vai embora e todos nós ficamos.
     – O quê? – perguntou minha prima incrédula.
– Se eu vencer. – prosseguiu ele. – Todos nós vamos embora.
– Está mesmo confiante de que pode vencer um deus.
– Sim. – respondeu sem titubear.
– O.k.
– É bom mesmo que você ganhe. – vociferou minha prima.
– Eu confio que Braço irá vencer. – disse Jean baixo para nós. – Não confio é que o Príncipe irá cumprir com a palavra.
Isso não era nem um pouco animador.
Mas de fato Braço parecia seguro e bem preparado para a batalha. Ao menos bem mais do que eu contra Azazel. Ele assoprou as chamas contra o rosto de sua outra personalidade que se afastou atordoado, mas não antes de Braço lhe tirar a espada e quase lhe tirar também a cabeça se não fosse seu reflexo divino. O corte no ar de Braço criou uma labareda que quase atingiu o Príncipe.
Rápido, Mazda puxou mentalmente sua espada retornando a luta. Os movimentos eram precisos. Os dois estavam bastante empenhados em derrotar o outro. Ambos tinham algo para concluir e precisavam vencer para atingir o objetivo, contudo o objetivo primordial de Braço não era nem mesmo sair do inferno, mas vencer sua outra metade. E, talvez por isso mesmo tenha conseguido.
Os dois voltaram a disputar força com a espada, mas dessa vez Mazda encostou Braço de lado contra a parede. Num movimento, os dois ficaram de frente segurando o braço do outro acima de suas cabeças. Braço deu uma joelhada sem muito efeito no abdômen de Mazda e este retribuiu dando-lhe um chute que fez a parede quase ceder. Em seguida ele o atacou de novo, mas meu amigo atravessou a parede escapando por pouco da lâmina de luz do deus. Ele planou no ar. Mazda então voou em sua direção passando pelo buraco que acabara de criar.
A luta começou no ar e, apesar de estar inclinado a fazer a serpe ajudar meu amigo, achei prudente não interferir. Para nós que estávamos em terra firme, era difícil acompanhar o movimento dos dois no ar indo de um lado para o outro com encontrões que estremecia o castelo. A superioridade de Mazda ficava cada vez mais visível culminando numa disputa de poderes opostos disparado pelos dois. Pelas mãos de Mazda, uma coluna de luz. Pelas de Braço, uma coluna de energia negra. A colisão dos poderes fazia o castelo rachar em algumas partes. Nunca tinha visto nada do tipo. E quando o poder do deus suplantou o do meu amigo, sua queda quase levou todo o salão a baixo.
Mazda veio planando sobre os escombros que, aos poucos eram tirados por telecinese. Braço estava bem ferido, mas se recuperava rápido, mas não rápido o suficiente para se pôr de pé antes que Mazda o atacasse de novo. A disputa favorecia claramente a Mazda que repetiu que seu oponente fez, só que dessa vez só fez apagar as chamas. Em contato com o sabre de Mazda, a lâmina nua começou a incandescer e derreter derramando pingos de metal líquido perto do rosto de Braço. Dessa vez foi minha prima que me segurou.
– Se interferir, PdA vai usar isso como argumento para nos manter aqui. – ela tinha razão. Mas se Braço morresse, ficaríamos ali de qualquer forma.
Era questão de segundos até a espada de bolo se liquefazer e queimar o rosto de Braço quando de repente a espada de Mazda desligou e Danilo afastou a espada do rosto deixando o metal cair na rocha ao seu lado perfurando-a.
– Pelo visto matarei você a moda antiga. – antes mesmo de pontuar sua frase, Mazda jogou seu sabre que não funcionava mais e acometeu Braço de socos.
    A cada soco, Braço cuspia sangue que poderia encher uma tigela. Vendo que seu oponente se curava, Mazda começou a bater nele cada vez mais rápido não dando tempo da ferida cicatrizar. Braço ainda tentou lançar chamas no rosto de sua metade, mas o deus era rápido e desviou o braço dele com a mão esquerda segurando-o o que também impedia que meu amigo atravessasse o chão como fez na parede. Com uma única mão livre, Mazda começou a esganar Danilo que não tinha como se defender. Eu estava vendo meu melhor amigo morrer em minha frente.
Então quando todos nós estávamos perdendo as esperanças, Mazda arqueou como se fosse esfaqueado. Não entendemos quando o terno cinza escuro dele ficou ainda mais escuro pelo seu sangue na parte do coração. Foi então que Jean nos alertou para uma coisa que acontecia despercebida. No chão, a sombra de Braço não o imitava. Ela havia ganhado vida própria e havia atravessado o peito da sombra de Mazda lhe arrancando o coração. A sombra dele então se fundiu a de Braço ficando mais densa e escura como uma mancha de petróleo. A mancha foi em direção a Braço percorrendo seu corpo até seu anel negro que brilhava imperceptivelmente para quem não estivesse olhando fixamente para ele.
Braço então jogou para o lado o corpo sem sombra e sem vida de Mazda e levantou triunfante.
– Nos liberte. – exigiu.
– Sirva a mim. – Pediu.
– Nunca.
– Então nunca sairá.
– Fizemos um acordo.
– Eu menti.
– Eu sei. – disse caminhando para a porta.
– Então por que fez o acordo.
– Não queria que interferisse. Posso abrir essa porta quando quiser.
Foi então que o PdA, como minha prima o chamou se levantou e chamas foram disparas por uma das janelas criando uma parede de fogo que separava PdA de nós. Pelo buraco no teto o esqueleto de um dragão entrou e pousou. Instintivamente eu e Braço pensamos a mesma coisa:
    – Você? – de alguma forma o dragão que Braço matou estava ali em apenas osso na nossa frente e mais estranhamente ainda, nós sabíamos que era ele.




– Sim, eu. Como sabem, eu era o único deus de Isabel.
– Mas você não já trocou de pele e já me chamou de mal? – perguntou Braço. – Como pode também estar morto no Inferno?
– Coisas que um deus de verdade pode fazer. – disse apontando para Mazda. Por um segundo achei que ele iria trazê-lo de volta à vida, mas minha surpresa foi ainda maior.
De repente o corpo de Mazda se transformou em um anel metade dourado, metade prateado e voou para os dedos do dragão que ganhou novamente pele e carne. Dessa vez ele apontou para o caldo metálico que era a espada de Bolo e também transformou em um anel. Em seu topo ele colocou um cristal vazio e lançou suas chamas nele até a pedra ficar vermelha. Como se não estivéssemos surpresos o suficiente, ele deu o anel para Braço!
– O quê?
Sem dizer mais nada, ele voou novamente por onde entrou. O Príncipe da Alvorada não conseguia passar pelas chamas, então rachou o chão do salão fazendo a fenda tragar as chamas.
– Braço, rápido! – chamou Jean.
    Ele correu para a porta e a abriu como previra. Minha prima entrou seguida pela capitã. Por último fomos nós. E assim terminou nossa rápida, mas perigosa e surpreendente viagem ao inferno.

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