Capítulo II - Os Anéis Do Poder: O Círculo Dos Meireles
− E
então?
− E
então o quê?
−
Você vai ou não me contar como você conseguiu cada um desses anéis?
Eu
sorri e olhei para ela. Cassandra era linda. Eu sempre soube que um dia eu ia
pegar uma ruiva, mas não achei que seria uma ruiva tão linda.
−
Tudo bem, eu conto.
−
Comece por esse. – Disse ela apontando para o que eu usava no indicador.
− Eu
vou começar por esse. – Indiquei o do dedo midinho.
−
Por quê? – Perguntou com aquela cara que derrete até o gelo mais forte de Papel.
−
Porque esse foi o primeiro e pra mim, o mais importante.
−
Sério?
−
Arrãm. Bom, foi assim:
Eu estava indo pagar a conta de luz com
Papel, quando na volta ele passou numa joalheria para comprar uma corrente pra
ele.
Enquanto ele olhava as correntes com “R”
que lhe agradavam eu passei os olhos por uma vitrine cheia de anéis, coisa que
na época eu não dava o menor crédito. Então eu vi um anel que me chamou a
atenção. Ele era meio vermelho meio prateado, e tinha um símbolo engastado
nele.
Confesso que eu babei no anel, mas antes
que eu pudesse botar a mão no bolso, o anel tremeu.
−
Sozinho?
Ele estava sendo puxado magneticamente por
um ladrãozinho que estava logo atrás de mim, porém no lado de fora. E ele puxou
o anel com tanta força que quebrou, não, estilhaçou a vitrine toda. É que assim
que algum objeto é tirado magicamente da vitrine, uma porta elétrica se fecha
impedindo que qualquer brisa passe por ela.
Mas o desgraçado conseguiu levar o anel.
Naquela hora eu fiquei ferido, por causa
dos estilhaços e com cara de tacho.
Ela
riu. Ela tinha um sorriso lindo.
Quando minha mãe chegou, eu contei a ela o
que aconteceu e principalmente como eu fiquei decepcionado por não ter poderes
pra fazer alguma coisa a respeito.
− Mainha, por que eu não tenho poderes
enquanto todo mundo tem? – Perguntei.
− Primeiro, que nem todo mundo tem.
Segundo, que o mais importante não é o poder que as pessoas têm e sim o
coração. Do quê adianta ter poderes se não se é uma pessoa boa, que possa
utilizá-los para o bem? Para poder ficar roubando que nem o garoto da loja?
Ela tinha razão, mas isso não me deixou
mais feliz.
− Você queria tanto aquele anel assim é?
Confirmei com a cabeça.
− Não sabia que gostava de anéis.
− Mas aquele era tão bonito.
− Posso te dar esse se quiser.
Ela me mostrou um anel pequeno e prateado,
simples, porém bonito.
− Seu anel?
− Eu tenho outros.
Eu não fiquei muito feliz, mas tencionei
aceitar.
− Você sabe que anel foi esse?
Fiz que não com a cabeça.
− É um anel muito especial. Pelo menos
para os Meireles Escritores.
− Meireles Escritores?
− Sim. Desde que os Meireles surgiram no
sudoeste europeu que sempre houve um escritor no meio.
− Sério?
−Arrãm. Sabe de quem foi este anel antes
de mim?
Ela me fez uma pergunta interessante. Como
minha avó não escrevia, eu não fazia a menor idéia de quem poderia ser.
− De Cecília.
− Cecília… Meireles?
− Ela mesma. Nós nunca nos encontramos
pessoalmente, mas ela soube que minha mãe teve uma filha Meireles que escrevia.
Então ela me passou esse anel. E disse que deveria ser passado ao Meireles mais
próximo que escrevesse. Quase Fernando levava.
− Fernando… Meireles?
Não! Fernando Torres! Que pergunta minha
foi aquela. Ainda bem que minha mãe era paciente.
− Ele mesmo. Mas…
Eu lembro que aquele “mas…”
me matou.
− Você só poderá ficar com ele se, e
somente se, me der uma história editava em um ano. E não pode ser nenhuma das
que você já começou a escrever.
− Você quer… que eu crie uma história agora do zero e
te dê em um ano?
− Editada. Mas isso não quer dizer que eu
não queira ver o original, ou seja, manuscrita no caderno, o cd com ela
digitada e o produto final que é a edição.
− A… senhora só deve está brincando.
− Eu falo sério. Afinal de contas esse
anel passou por Cecília Meireles. E o próximo da lista é você. Por favor, não
me decepcione. Nenhum dos Meireles escritores que receberam essa tarefa falhou.
Não seja o primeiro. – Ao dizer aquilo, todo aquele tom de descontração se
transformou em quase uma ameaça.
Como eu ia editar uma história do nada em
um ano? Só pra editora analisar a história leva seis meses.
Confesso: se a cobra tivesse fiofó, eu
tava nele.
Ela, então, me deu cem reais para os seis
primeiros meses. Eu tinha que comprar um caderno grande, daqueles cabulosos
mesmo, para poder escrever a história todo nele sem me perder, nem nada. Uma
caneta boa e o que mais eu precisasse acerca da história.
Quando eu fui comprar o caderno, eu fui à
livraria de Nandinho (Ricardo). Lá até tinha até uns cadernos bons e grandes de
vinte matérias, mas ele me aconselhou, quando soube do por que, ir comprar um
caderno lá no centro. Segundo ele, lá havia uma loja que fazia cadernos sob
encomendas.
− E eles entregam o caderno rápido? –
perguntei.
− Depende.
− Do…?
− De como você quer o caderno. Pode ser
que sim, pode ser que não.
− Você já pediu alguma coisa de lá?
− Meu pai sempre pede coisas de lá. Por
isso aqui vende tanto, por que aqui tem coisas que nenhuma outra loja daqui
tem.
“Hum… interessante.” Sem pensar muito,
troquei o dinheiro e fui até o centro na tal loja. Eles me disseram que me
entregariam em uma semana.
Quando fui pra casa fui pensando na
história que ia escrever. E não foi muito difícil. Inspirado no que minha mãe
havia dito, eu resolvi fazer uma história chamada “Sete Dias”, que basicamente
falava de minha família, porém era inteiramente ficcional.
Enquanto o caderno não chegava, eu comprei
um caderno pequeno, um estojo para caneta e cinco canetas das melhores marcas,
para que nenhuma falhasse. Comecei a escrever a história que começava no
domingo à meia noite e terminaria no sábado às vinte e quatro horas.
Eu estava já terminando o primeiro
capítulo quando eu recebi o caderno em casa. Então tive duas opções: continuar
no pequeno até que ele acabasse para começar o segundo ou reescrever no novo
caderno, que ficou muito massa, principalmente a capa (de Sabrina Sato) do
Homem-Aranha. Resolvi então, como qualquer homem em sã consciência, a primeira
opção.
Três meses depois, quando eu estava no
último horário de “Quinta-Feira”, aconteceu a pior coisa que poderia acontecer.
Eu estava voltando do colégio estressado e sem imaginação, sendo que esse
último me acompanhou pelo início da semana inteira, não só naquele dia
fatídico. Eu ia descendo a ladeira do Terceiro Centro quando um pivete me
abordou.
− Ô véi. Me arranje dez centavos aí.
− Não tenho não. – Disse tentando manter a
calma.
− Não tem o quê, rapaz. Eu sei que você
vai pegar um buzu ali em baixo.
Eu olhei pra ele tencionando dizer que se
eu fosse pegar um ônibus lá embaixo, aí que eu não poderia dar dinheiro a ele
mesmo, mas quando eu o fitei, vi quem era: o cara que roubou o anel da loja.
Naquela época eu nem ligava mais pra isso, mas como eu estava tão irritado eu
dei um soco na cara dele.
O pivete recuou, enquanto mais dois
comparsas vieram pra cima de mim. O primeiro socou o ar, enquanto eu dei um
murro na boca de seu estômago. O segundo tentou um chute, mas eu defendi e dei
outro na lateral de seu rosto, fazendo-o cambalear. Quando eu parti pra cima do
pivete de novo ele desviou e deu um murro com soqueira no meu antebraço. Bem no
osso. Depois que eu ouvi um som de coisa se quebrando, eu vi o anel rubro-prata
em minha direção.
Agora que deu. Eu estava atrasado, e além
da imaginação me fugir, agora eu não podia escrever se ela voltasse. Entrei em
depressão. Não queria comer, não conseguia dormir (mais por causa do braço que
doía). Achava que aquilo era um sinal que me mostrava que eu não era digno de
ter aquele anel dos Meireles Escritores. Eu queria morrer.
Dois dias depois eu tava conversando com
Ione, a garota de quem eu gostava na época. Estávamos falando (por incrível que
pareça) de livros. Na verdade eu fazia um esforço para poder falar sobre o assunto,
por que era ela.
− Só esse ano eu já li uns sete. – Disse
ela.
− Ano passado eu li um pouco mais que
isso. Só de Sidney Sheldon. – Disse meio irritado, meio aéreo.
− Eu já ouvi falar dele. Soube que ele
começou a escrever com… … … ambidestra?
− O quê?
− É. Ela disse que como não gostava muito
de sua letra e como as pessoas não entendiam muito a letra dela, ela resolveu
escrever com a esquerda.
Eu não fazia a mínima idéia de quem ela
estava falando, só sabia que ela me deu uma idéia fantástica. Ou quase. Eu
poderia começar a escrever com a esquerda, mas a letra ficaria horrível e
provavelmente eu teria que passar tudo a limpo, o que me atrasaria. Então eu só
precisava de um jeito para contornar a falta de legibilidade. E com certeza
minha mãe saberia como.
− Bom… eu já tive que escrever no escuro, mas
nunca precisei usar a mão esquerda.
− No escuro? E como é que você sabia o que
tava escrevendo? E onde?
−O que eu tava escrevendo era o mínimo,
mas para saber onde, eu colava nas linhas grãos de arroz ou qualquer coisa
pequena que desse para linear a folha para eu não escrever em ladeira. Mas
depois eu não precisei mais, pois eu ganhei coordenação motora com isso. É que
às vezes as pedrinhas soltavam ou então não tinha nada para colar no lugar.
“Parece que eu vou ter que improvisar.”
Pensei.
E foi o que aconteceu. Eu comecei a
escrever com a esquerda, mas guiado pela direita, no entanto, a letra saia pior
do quê se eu usasse só à esquerda. E se eu escrevesse só com a mão canhota, nem
eu mesmo ia entender minha letra. Eu estava de volta à estaca zero.
Mais um dia se passou sem eu saber como
voltar a escrever. Resolvi então me distrair jogando minha mais nova diversão:
xadrez.
− Pombinho (Diego), pegue leve. Eu estou
enfermo.
− Que nada, rapaz. Esses dias eu to fraco.
− Quando é esses dias. É no final de
fevereiro, é?29,30 e 31? – Perguntei rindo e fazendo-o rir.
− Pare com isso. Pare com isso. – Disse
rindo.
Jogamos a tarde toda, e de
cada dez partidas, eu ganhava duas. Nada mal para um iniciante contra um velho
enxadrista. Mas a nossa alegria teve que acabar quando minha mãe me chamou para
comprar o pão.
− Logo quando eu ia ganhar minha terceira
seguida? – Perguntei.
− Depois você joga. – Disse ela.
− Se quiser eu anoto o jogo e começamos de
onde paramos.
− Você pode fazer isso?
− Claro garotinho. – Respondeu pegando uma
folha de papel e uma caneta.
Ele começou a anotar a posição das peças
enquanto eu olhava sua caligrafia perfeita, enquanto a única que eu podia usar
era deficiente em beleza.
− Você tem uma letra bonita, Diego. –
Disse enfim.
− É que eu fiz muita caligrafia quando eu
era pequeno. Quase todo dia minha mãe comprava um caderninho daqueles para eu
fazer.
Tava aí a solução pros meus problemas.
Fazer caligrafia. Poderia demorar para eu ter uma letra decente, mas seria
muito mais rápido do que se eu esperasse minha mão destra melhorar.
Naquela noite mesmo eu comprei um
livro de caligrafia e passei a semana toda praticando.
Após uns três cadernos daquele, mais ou
menos, eu retomei “Sete Dias”. E por incrível que pareça, minha letra com a mão
esquerda ficou melhor do que com a direita.
Mais ou menos um mês depois, eu terminei a
história no caderno. Comecei então a digitá-la no PC lá de casa. Eu achava que
digitando, eu ia levar menos tempo, até porque, eu só ia repassar uma história
já pronta, mas eu me enganei profundamente. Eu levei cinco meses para terminar
a história.
−
Por que tanto tempo? – perguntou Cassandra.
O computador é uma janela imensa para o
mundo exterior. Ela pode ser maior do que a própria televisão. Então a partir
do momento em que você está em frente a um computador, você tem infinitas
distrações, como MSN, Orkut, pesquisas no Google, etc. E como se só isso não bastasse
minha mãe ainda resolveu me colocar no curso de música à tarde, o que ocupava
meu tempo junto com os exercícios do colégio, que eram bem mais complicados do
que os do ginásio. Isso, então, minimizava o meu tempo para digitar.
Três meses depois, problemas como esses
foram superados, ou pelo menos me acostumei com eles. Mas, quando eu estava de
volta no fatídico último horário de Quinta-Feira, falta luz lá em casa. Por uma
semana. Eu não podia me dar ao luxo, três dias depois do black-out, de esperar a boa vontade da Coelba. Tinha que dar um jeito, e o único
possível era gastar dois reais por cada hora escassa de uma lan house no Plano Inclinado, que, ao contrário das
outras era calma e silenciosa, assim eu podia me concentrar e corrigir o que
era necessário e mudar o que me fosse conveniente. No entanto, ainda assim eu
avançava pouco. As férias iam acabando e o dinheiro também. A única coisa que
aumentava era a cobrança de meus colegas sobre os trabalhos que deveriam ser
entregues no final do recesso. Ói eu no fiofó da cobra de novo.
Tinha que tomar medidas trágicas cujas
conseqüências, ruins ou muito ruins, tivessem incluídas o livro editado e
aprovado por minha mãe e por toda dinastia de Meireles Escritores.
− Por que você não rouba um laptop?
− Ficou maluco Papel? – Eu quase engasguei
com o geladinho.
− É
a única solução que eu vejo pra você. – Disse rindo.
− Você não ta falando sério, né?
− Claro que não. Só estou te mostrando o
drama da situação.
Eu não podia roubar um laptop. Eu seria igual àquele cara que roubou o
anel. É certo que depois ele ficou andando pela rua normalmente esbanjando ele,
mas não quer dizer que eu deva fazer o mesmo. Eu não sou igual a ele. Se eu
fizesse isso eu estaria roubando o anel e o título de ser um Meireles Escritor.
Mas eu tinha que dar um jeito.
Naquele mesmo dia eu fiquei num canto em
que a vela que iluminava o livro que minha mãe lia não podia me tocar. Eu
fiquei ali no escuro, deprimido de novo, sem saber o que fazer. Fiquei
pensando, pensando, até que peguei no sono. E sonhei que Gabby (Gabriella), a menina que
Yuri havia dito gostar dele no ano anterior, era uma bruxa e ela pegava sua
varinha e soltava um feitiço que vinha em minha direção, mas ao invés de me
tocar, o feitiço atingia o caderno de “Sete Dias” tornando-o num livro editado.
Quando eu abri o livro, lá dentro estava um CD que Cheio de Dente (outro Diego)
copiou pra mim.
Acordei meio assustado lembrando do dia em
que eu disse (segundo os caras) que queria tirar Xérox do CD.
− É isso!
− É isso o quê, menino? – Perguntou minha
mãe meio assustada.
− Já sei como terminar de digitar minha
história.
No dia seguinte mesmo eu corri atrás de
alguém que tivesse uma impressora com scanner que pudesse scanear o que
eu escrevi. Em seguida era só baixar um programa que pudesse mudar a letra do
que foi scaneado para uma das fontes do Word.
Quando a luz voltou, as aulas também
voltaram, mas nos meses seguintes, eu consegui terminar de digitar o livro sem
muitos contratempos.
Faltando um mês e meio, eu tinha dois
cadernos cheios e um CD pronto para ser editado. O único problema era
justamente o que faltava fazer: Editar o livro. Nenhuma das editoras em que eu
fui aceitou editar a história em menos de dois meses.
Eu sabia que tinha falhado. Demorei demais
para terminar o livro. Eu não sabia o que fazer. Cada dia que passava me
parecia uma eternidade em que eu poderia editar e reeditar o livro. Mas, Onde?
Pela terceira vez a depressão me abateu. E
dessa vez mais forte que as anteriores. Eu tinha tentado tanto. Quebrei o pulso
direito, escrevi com o esquerdo. Tive que baixar programas para continuar a
digitar. Eu cheguei tão longe, e quando acho que finalmente vou conseguir,
quando acho que estou quase lá…
Fiquei em casa zanzando,
prum lado e pro outro. Eu fracassei. Não era merecedor de ser considerado um
Meireles Escritor. Não era digno nem mesmo de me chamar de Meireles. Eu estava
triste, eu estava abalado, eu estava irritado. E ainda por cima os livros
apareciam só para me atazanarem. Havia dois deles em cima do sofá. Eu joguei o
de cima (que foi o primeiro que vi) na porta da varanda. Quando vi o segundo,
consegui impedir meu ímpeto de arremessá-lo, varanda afora. Era o presente de
minha mãe. Presente de aniversário. O nome do livro era “Amor Bandido.” Ela
mesma que escreveu e as colegas delas editaram.
“Espere aí!” Pensei. “Se elas editaram o
livro de minha mãe para o aniversário dela em duas semanas, elas podem fazer o
mesmo por mim em um mês.” E com esse pensamento salvador eu liguei para Sandra
Arraia, uma dos chefes de minha mãe.
− Alô?
− Oi Sandra, tudo bem? É Danilo.
− Oi Dan! Tudo bom?
− Tudo.
− Quer falar com mami, é?
− Na verdade eu queria falar com você
mesma.
− Diga aí.
− Eu posso te pedir um favor?
− Até dois.
− Esse vai valer por dois. Eu preciso que
você edite um livro meu. – Três segundos de silêncio contados.
− Um livro seu? – A voz voltou igual.
− Não é um livro qualquer. Eu não sei se
minha mãe chegou a comentar com vocês aí, mas ela me passou a incumbência de
criar, escrever, digitar e editar um livro em um ano.
− Não. Acho que eu não me lembro dela ter
comentado nada. – Ao ouvir aquilo eu sentir como se tivessem arrancado meu
estômago.
− Pois é. É uma espécie de ritual, tipo de
cavaleiros, sabe, só que de escritores. E eu só tenho um mês para entregar o
material pronto para ela. É por isso que eu estou ligando. Eu preciso muito da
sua ajuda.
− Olha, Danilo, naquele caso foi uma coisa
excepcional, porque era aniversário de mãezinha e todo mundo se organizou pra
fazer. Eu sozinha, não posso fazer muita coisa. Ainda mais em um mês.
− Por favor, Sandra. A senhora não sabe o
que eu passei para poder consegui escrever e digitar esse livro. Eu cheguei a
ter que aprender a escrever com a mão esquerda por causa de uma fratura no meu
pulso direito. Tudo pra poder concluir com minha tarefa. Agora só falta editar,
e a senhora é minha única esperança. Se a senhora recusar eu não vou ter pra
quem recorrer. Eu vou ter fracassado, quando eu cheguei tão perto. Eu não vou
conseguir ficar um mês inteiro sabendo que enquanto meu livro poderia estar
sendo editado ele vai estar jogado em algum canto como uma lembrança da minha
derrota. Por favor, o que eu te peço é que apenas tente editá-lo. Por favor!
Pela amizade que a senhora tem por minha mãe. – Eu não consegui dizer mais
nada.
Na verdade eu não sei como consegui dizer
tanta coisa. Acho que aquele pedido mostrou não só a Arraia como eu estava
desesperado, mas também a mim, como aquilo era importante.Como aquilo me fazia
ter algum sentido na vida.
− Eu vou tentar. – Aquelas palavras me
anestesiaram de uma forma como nunca havia sentido até aquele momento. – Mas
não garanto nada.
− Obrigado! – Foi a única coisa que eu
pude dizer, e a coisa que mais dizia sobre o que eu sentia naquele momento.
Eu passei o resto do mês todo ansioso. Não
me concentrava nos exercícios, nas aulas, nem nas regulares nem nas do curso de
música. O que me distraia, é que Pombinho me chamou pra tocar no lugar de Leo
em uma banda que ele tinha. Era o único momento em que eu não pensava no livro
e em como ele ia ser editado, como ia ficar a capa e etc. Eu nem conseguia
dormir.
Foi um mês de tortura tendo em vista que
agora não dependia de mim. Não era eu que iria criar uma maneira mirabolante
para burlar os empecilhos que surgiam a cada processo de criação.
O último dia foi um domingo de sol. 365
dias depois dos vidros estilhaçados. 365 dias depois da oferta de ser um
Meireles Escritor. Aquele dia parecia ser perturbadoramente igual ao de um ano
atrás. O mesmo sol, as mesmas nuvens, os mesmos programas na TV. Eu parecia bem
calmo naquele dia, mas estava em frangalhos por dentro.
Dezoito horas. Nada de Sandra aparecer ou
ligar. Ela tinha me dito na sexta-feira que viria entregar o livro pela tarde.
A tarde já havia passado e nada dela.
Vinte uma hora e quarenta e três minutos.
Eu já estava em pânico. Se ela se atrasasse mais duas horas e meia, nunca mais
eu iria me considerar um Meireles, escritor ou não.
Dez horas da noite. Eu podia sentir o
liquido salgado e amargo das lágrimas caírem do meu rosto. Já era. Com certeza
ela não deve ter levado a sério a importância do livro naquele dia e deve ter
deixado pra entregar por minha mãe no dia seguinte. Mas seria tarde de mais.
Resolvi, então subi pra laje e passar as últimas duas horas (que pareciam as
últimas da minha vida), olhando as estrelas de onde todos os escritores que
tiveram êxito em seu trabalho, olhavam pra mim com total desprezo por eu ter
manchado seus sobrenomes. Eu era uma desgra…
− Dan?! Estão te chamando.
“Não é possível!!” Pensei. “Será que ela
chegou?”
Desci as escadas, desembestado para dar de
cara com Papel para me devolver um cd emprestado. Fui bem polido. Mas do que
eu imaginei que seria. Na volta minha mãe olhou pra mim e perguntou:
− Quem foi?
− Ninguém que eu esperava.
− Você tava esperando alguém.
Só conseguir menear a cabeça sem esboçar
palavra alguma.
− Que pena que ela não veio. A pessoa que
você esperava.
Desabei no sofá pequeno.
− Devo confessar. Foi melhor do que eu
esperava.
Eu olhei pra ela ir em direção ao quarto
sem entender bulhufas. Quando ela voltou, eu quase tive um ataque cardíaco.
Ela segurava em uma mão uma pequena caixa
branca e bonita, e na outra um livro branco que parecia ter um calendário na
capa que dizia: “SETE DIAS” “POR DANILO DE MEIRELES”. Certamente eu devo ter
ficado mais branco que a caixa perfeitamente alva.
− Sandra me entregou na quinta-feira,
antes de eu sair do trabalho. Eu li e gostei muito.
Ela entregou o livro para um Danilo
atônito, boquiaberto e mudo. Sem falar que eu estava pálido feito cera.
− Acho que isso aqui é seu.
Ela
me entregou a caixa com o anel dentro. Coube certinho no meu Mindinho
− É
um anel simples, não me dar poder nenhum, mas é o que diz quem eu sou. É o
símbolo disso. E é o único que eu vou carregar até o fim. Bem dentro do meu
coração.
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